Como o Google ignorou Assaré e deixou de ganhar US$ 70 bi

Por Allan Patrick

Em 2006, durante minhas férias, eu fiz uma viagem pelo sul do Ceará, na região do Cariri. Uma das cidades que visitei foi Assaré, terra de um dos mais brilhantes poetas brasileiros, Patativa do Assaré. Fui até lá justamente para conhecer o belo museu que funciona onde era sua casa.
Visitado o museu, fui até um mercadinho comprar uma garrafa de água mineral. Ao pagar pela água, notei que a jovem que operava o caixa simultâneamente trocava mensagens pelo Orkut. Na hora, tive uma epifania: esse negócio está substituindo os chats e o correio eletrônico. Porque se em Assaré, no interior do Ceará, com 20 mil habitantes, a 520 km de distância de Fortaleza, em condições precárias de acesso à internet, com banda não-muito-larga fornecida por uns bravos heróis que cabeiam ou montam redes de dados via rádio em cidades do sertão – meio que “na marra” – o Orkut havia alcançado a onipresença em 2006, era uma mera questão de tempo até o mundo deixar de usar o correio eletrônico em prol das redes sociais. Pensei: o Google alcançou sua segunda grande vitória, após o sucesso do buscador. Na época o Gmail ainda era um recém-nascido e não tinha tanta relevância (para ser honesto, em termos de internet como um todo, ainda não tem). Outras criações do Google, como o Android, mal haviam nascido.
Pois bem, o que fez o Google? Menosprezou o seu sucesso, subavaliou o que tinha em mãos e nunca deu a devida importância ao Orkut, negando-lhe os recursos que poderiam tê-lo transformado no que hoje é o Facebook.
Por que eu resolvi escrever sobre isso hoje? É que neste sábado (30/07/2011), quando eu pagava minhas compras no Skoob, o maior sebo de Londres, me bateu um baita déjà vu! O que estava fazendo o rapaz do caixa? Isso mesmo, trocava mensagens pelo facebook e tirava dúvidas sobre como utilizá-lo com sua colega de trabalho, do caixa ao lado.
O Google foi extremamente incompetente ao não saber “ouvir” o que a internet brasileira bradava em alto e bom som: REDES SOCIAIS! O Facebook, que largou bem atrás do Orkut em termos de popularidade, hoje está avaliado em US$ 70 bilhões e é o principal concorrente da empresa Google.
Normalmente, as pessoas ficam surpresas quando alguém afirma que o Facebook é o principal concorrente do Google. Porque não dá pra fazer as buscas que se faz no Google no Facebook. Isso é óbvio, mas esse é um raciocínio construído a partir da perspectiva de usuário/consumidor. Para entender a relevância do Facebook e, também, do twitter, é preciso pensar um pouco como webmaster. Meu modesto caderno, por exemplo. No dia-a-dia recebe um número mais ou menos constante de visitas, a maioria das quais trazidas por buscas feitas no Google. Quando há um texto novo postado por aqui, as visitas crescem cerca de 20% por uns dois ou três dias. São visitas geradas por leitores de RSS, normalmente. Mas, quando um texto é citado por um usuário influente do twitter, o número de visitas num dia é o equivalente ao tráfego normal de uma semana. Se um texto cai no gosto de uma comunidade do orkut, como já aconteceu algumas vezes, essa rede social pode chegar a representar 50% da origem do tráfego durante o mês.
Quem controla o tráfego, controla os destinos da internet. Com a popularização dos smartphones, é até provável que redes sociais como o Facebook e o twitter incrementem ainda mais sua relevância no “controle” da internet, representando um risco para o Google, que ainda “domina” a internet normal, tal como a Microsoft ainda “domina” o mercado desktop de computadores, que tende a perder relevância no futuro.