Uma informação que não encontro: quanto da inflação nestes últimos anos é provocada pela redução da desigualdade? Vejo esse dado fundamental para determinar a real dimensão do problema inflação no Brasil.
Explico: nos últimos 12 anos o Brasil tem sido um dos países que mais reduziu a desigualdade no mundo. Ora, é claro que isso gera uma pressão de custos de uma maneira geral e, particularmente, nos setores intensivos em mão de obra.
Os economistas à direita aproveitam e entram de sola dizendo que a produtividade da economia brasileira está caindo (a The Economist dá uma mãozinha), afirmando que o brasileiro é preguiçoso.
Na verdade, o que ocorre é que a padaria que faturava R$ 30 mil/mês com 5 funcionários, quando o salário deles era de R$ 500/mês, tem sua “produtividade” alterada quando a desigualdade no país diminui. Desenhando:
Custo: R$ 2,5 mil em mão de obra. Resultado: R$ 30 mil em faturamento.
Produtividade: R$ 12 mil/funcionário.
Quando o salário sobe para R$ 800:
Custo: R$ 4 mil em mão de obra. Resultado: R$ 35 mil em faturamento.
Produtividade: R$ 8,75 mil/funcionário.
O empresário tem três saídas para o aumento no custo da mão de obra:
1) diminuir número de funcionários;
2) aumentar preços;
3) reorganizar o funcionamento do negócio.
Normalmente acontece a combinação de 1 e 2.
A padaria que eu frequento é um claro exemplo. Foi organizada para funcionar com 10 funcionários. Hoje atende mal porque, no mesmo modelo que exigia 10 pessoas para funcionar bem, atua hoje com 5 funcionários. Praticamente não há auto-serviço. Os clientes dependem totalmente dos funcionários para comprar o pão no tradicional modelo de bancada de sempre.
Se, analisando essa pauta, chegamos à conclusão que um peso considerável da inflação que nos atinge (40% ?), principalmente no setor de serviços, é oriunda da redução da desigualdade, me desculpem, mas isso não é o retorno da “chaga da inflação”, mas redistribuição da renda do país. Chequem os custos de serviços na Noruega!
Dores normais de quem está transformando uma sociedade pra melhor.
De fato, a produtividade cair é quase sempre o mesmo que dizer que a mais-valia caiu. O problema é que o capital brasileiro, em vez de aproveitar o aumento do consumo das pessoas comuns, prefere reagir na defensiva, preocupado, a priori, com os salários que subiram. Isso aconteceu na Europa dos anos 1970, mas aqui me parece agravado por um classismo, um racismo e um sexismo profundos. A aposta do PT era que os “empresários modernos” aproveitassem a onda e, de maneira contrária à natureza do capitalismo, apostassem eles também no ciclo virtuoso, saindo na frente dos seus competidores arcaicos. Ledo engano, porque isso está batendo em clichês sociais bem cristalizados.
abraços
P.S.: A regra que você colocou é perfeita, muito embora existam importantes exceções a ela: os pedreiros e empregadas domésticas se constituem num grupo estigmatizado, mesmo que essas funções tenham registrado severo aumento salarial, por outro lado, se vê um esvaziamento dessas profissões. Mães empregadas não querem filhas empregadas, pais pedreiros não querem filhos pedreiros — e eles próprios sequer querem continuar na própria profissão, a qualquer sinal de possibilidade de migrar para outra área ou até abrir o próprio negócio, eles assim o fazem. A sociedade, em verdade, pode viver sem empregadas caso se torne um pouco menos colonial, mas não sem pedreiros.
Caro Hugo, mais uma vez obrigado pelos comentários que enriquecem o texto postado 🙂
Oi Patrick, um professor fez um comentário com esses dados que você mencionou no primeiro parágrafo, no meu último semestre de Economia na UFRGS. Eu acredito que sejam do IPEA. Esse mesmo professor escreve uma coluna seminal (ou quinzenal, não lembro) no Sul21 e tenho uma clara lembrança de ter um post recente sobre produtividade do trabalho.
Esse é o link da página da coluna do professor Flávio Flingespan, da UFRGS: http://www.sul21.com.br/jornal/colunas/flavio-fligenspan/
Obrigado pelo link, Barbara, vou passar a acompanhar a coluna do professor Flávio!