O machismo quase sutil

Por Allan Patrick

A discrimação contra a mulher aparece, por vezes, de forma quase sutil, até mesmo quando, aparentemente, o autor de um texto está bem-intencionado e deseja ressaltar o avanço da mulher no mercado de trabalho.

Para registrar o aumento do número de mulheres nos cargos executivos mais altos das grandes empresas, o Valor Econômico publicou a seguinte matéria, cujo início transcrevemos aqui:

O doce fardo da maternidade ainda pesa
Valor Econômico – 18/01/2010 – E. B.

O mesmo fator que alijava a mulher do mercado de trabalho há 30 anos ainda dificulta – embora não impeça – a ascensão de muitas a postos mais elevados: o doce fardo da maternidade. Pesquisa da revista americana “CFO Magazine” indica que equilibrar família e carreira tem sido a mais árdua tarefa de qualquer executiva.

Quase 25% dos entrevistados pela pesquisa – homens e mulheres – responderam que o que emperra o progresso feminino no trabalho são questões relacionadas à vida doméstica, em especial os filhos. Parte considerável do peso está no bolso. Um estudo do Centro de Políticas de Trabalho e Qualidade de Vida da Universidade de Columbia mostra que mulheres americanas que precisam deixar o trabalho temporariamente perdem 28% do poder aquisitivo.

Alguém já viu uma matéria sobre a dificuldade dos homens conciliarem filhos e carreira? Se as responsabilidades na criação dos filhos são exatamente as mesmas, por que só se ressalta a dificuldade da mulher?

Veja também:

Mulheres: como conciliar carreira e filhos?

2 comments

  1. Patrick,
    acho que o problema é justamente a circunstância de que as responsabilidades na criação dos filhos NÃO são exatamente as mesmas para homens e mulheres. Deveriam ser, mas não são. A maioria das responsabilidades – quando não quase todas ou mesmo todas – ainda recai sobre as mulheres. Por exemplo, o fato de que no Brasil a licença maternidade seja de, no mínimo, 120 dias ao passo que a licença paternidade é de apenas 5 dias não pode ser considerado um indício de que a legislação pressupõe que a maior parte das responsabilidades recai, e deve recair, sobre as mulheres?
    Somente teremos matérias ressaltando as dificuldades dos homens – desde que não sejam pais solteiros ou divorciados, porque acerca das dificuldades destes a mídia trata de vez em quando – na criação dos filhos a partir do momento em que partirmos do princípio de que os homens também têm responsabilidades e devem observá-las. Não consegui ler toda a reportagem, portanto vou especular. Talvez a crítica que se possa fazer ao texto não seja o fato de tratar das dificuldades das mulheres para conciliar a carreira com a vida familiar e doméstica, porque esse problema existe, mas o fato de não abordar as causas que reproduzem esse problema e que, simultaneamente, não tornam a conciliação da carreira com a vida familiar e doméstica um problema para os homens. O erro é pressupor – e a reportagem talvez incorra nesse erro – que as dificuldades decorrem de questões naturais, ou seja, consideradas naturalmente femininas (a gestação, a amamentação, a criação etc.), e não de questões sociais e culturais.
    Um abraço!

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