O PSDB/UDN continua subestimando o Nordeste

Por Allan Patrick

Nordeste, uma região de "retorno duvidoso" segundo o PSDB/UDN. Imagem: Wikipédia.

Há 16 anos eu era apenas um concluinte do ensino médio, matriculado na então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN, atual Instituto Federal do RN). Como aluno do curso de Eletrotécnica, participei de uma visita à Hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia. E, embora fosse apenas um nerd, tinha alguma curiosidade por economia e política. Não pude deixar de notar, portanto, quando nosso guia, Seu João – profissional que demonstrava o orgulho de ser funcionário da Chesf – nos narrou as dificuldades para que a primeira usina, Paulo Afonso I, fosse construída e entrasse em operação em 1954. Apesar do empenho pessoal de Getúlio Vargas, vários membros de sua equipe econômica eram contrários à empreitada, vista como um investimento de “retorno duvidoso”. Fácil perceber que não é de hoje que as circunstâncias levam presidentes trabalhistas a comporem parte de sua equipe com economistas conservadores (naqueles tempos, ligados à UDN). Esses críticos afirmavam, ainda segundo o relato de Seu João, que nem em 30 anos o Nordeste teria como fazer uso da capacidade instalada de Paulo Afonso I, cerca de 180 MW. O resultado que nós vemos hoje foi bem diferente das previsões. Passados 55 anos, o complexo de Paulo Afonso gera 4.280 MW. Ou seja, a primeira usina (aquela que permaneceria “ociosa” por 30 anos) gera apenas 4,2% do total de Paulo Afonso. Se compararmos com o valor gerado ao longo do Rio São Francisco pela Chesf, de quase 10 mil MW, a usina pioneira corresponde apenas a 1,8% do total.
Todo esse preâmbulo foi para comentar a entrevista do Deputado Federal do PSDB e candidato derrotado a governador do Espírito Santo, Luiz Paulo Velloso Lucas (publicada originalmente pela Folha e reproduzida na íntegra aqui, no Vi o Mundo). Velloso critica, nessa entrevista, o modelo de partilha e sugere a volta do regime de concessão, pois na sua opinião “é uma sandice achar que a Petrobrás pode fazer tudo” e outras empresas deveriam entrar para dividir o bolo.
Mas onde eu quero chegar? Na última pergunta, o jornal questiona acerca da queda no valor das ações da Petrobrás. Qual a resposta do deputado?

A Petrobras está desviando recursos para investimentos de rentabilidade duvidosa, como as refinarias do Nordeste. A empresa contrata serviços e equipamentos pagando três, cinco vezes mais caro que as concorrentes. É isso o que o mercado olha.

Cacete! Assim, do nada, ele põe a culpa de um movimento especulativo, típico das bolsas de valores, nos nordestinos. Para ele, nós os cabeças-chatas deveríamos vender nosso petróleo (o Nordeste é o segundo maior produtor de petróleo do Brasil) em estado bruto! Construir refinarias para agregar valor à produção e gerar empregos qualificados na região? “Nham, investimento de rentabilidade duvidosa”.
Como a gente percebe desta história, a UDN pode ter mudado de nome para PSDB, mas o pensamento é o mesmo. Desdenhar de nossa capacidade intelectual (e aqui me refiro não apenas a nós os nordestinos, mas a todos os brasileiros) e de engenho para apostar na inevitabilidade de que o Brasil não passa de uma grande hacienda produtora de comodities e exportadora de pedras, esse é o pensamento da intelligentsia do PSDB.

25 comments

  1. É isso, Patrick. Os nordestinos estão de parabéns pois souberam responder com a eleição da Dilma, melhor resposta não há. Já o meu estado, SPaulo, mostra padecer de uma estranha compulsão que os leva a votar em aberrações, como serra, alquiminho, maluf e ademar de barros.

  2. Está de parabéns Patrick! Tbm concordo que a eleição de Dilma foi a resposta do povo, e melhor resposta não há.
    Sou do ES e este deputado citado, Luiz Paulo Veloso Lucas – PSDB, é o que há de mais vergonhoso na política do nosso estado. Como a maioria dos políticos do PSDB do Brasil inteiro. Parabéns mais uma vez pelo blog.

    1. Caro Uilane, obrigado pela visita. Fiz questão de registrar no texto que foi candidato derrotado ao governo e, portanto, também conta com a rejeição dos capixabas às suas “ideias”. Volte sempre!

  3. Sou do Rio de Janeiro, que segundo alguns, é a ovelha negra do sudeste, simplesmente porque votou em sua maioria na candidata do governo. Ainda segundo esses movimentos isolados que temos visto de xenofobia, separatismo e na minha visão, de puro bairrismo juvenil, o nordeste se apropria de divisas que são geradas no sul do país, e que por opção, não trabalha para produzir.
    O que essas pessoas desinformadas não sabem ou fingem não saber, é que o norte e o nordeste do Brasil financiaram no passado, totalmente a ocupação e o desenvolvimento da região sul, através da riqueza gerada na época dos canaviais nordestinos e da extração da borracha na região norte.
    Nesta época o sul não tinha nada, era um vazio total, e com esse dinheiro bem vindo da nossa cana-de-açúcar e da nossa borracha é que pudemos trazer e financiar da Europa e do Japão, os imigrantes que lá fizeram a ocupação e colonização.
    Mas fazer o que? Essas pessoas deveriam estudar mais a nossa história, antes de sair por aí se dizendo Brasileiros.

    1. Exato, Paulo. No início do século XX, a Região Norte (Amazonas, Pará e Acre) liderava a arrecadação tributária federal, cujo destino era financiar a industrialização do Sudeste. Não conheço nenhum amazônida ou acreano ressentido com o Sul/Sudeste.

    2. Há estudos do Evaldo Cabral mostrando como, no século XIX, o aporte de recursos das chamadas províncias do Norte (que incluíam o que depois se chamaria de Nordeste) foram importantíssimas para manter a estrutura (centralizadora) da Corte, consolidando o deslocamento do centro produtivo para o sudeste.
      Complementando esses dados importantes que o Paulo Vitor trouxe, sabe-se (Celso Furtado e outros já trataram do tema) que, nas últimas décadas do XIX e no início do XX, houve forte política de incentivo para a imigração européia (inclusive, porque acreditavam que, assim, se contribuiria para o embranquecimento do Brasil), ajudando no assentamento para permanência, etc.; por outro lado, a política para os retirantes das secas (como na de 1904, por ex.) era financiar passagens de navio para o sudeste e, principalmente, para a Amazônia. Isto é, faltava política coordenada e efetiva para manutenção do homem no campo e para fortalecimento da economia. Isso foi desastroso para a estrutura (social, familiar, moral, etc.) dos sertões.
      (claro, haveria muito a discutir sobre como esse papel “subalterno” do nordeste foi usado também pelas elites locais para seus projetos de poder e dominação, mas fico por aqui).
      Abraços, Patrick!

      1. Caro George, como eu comentei na outra resposta, no início do Século XX, as maiores arrecadações tributárias da União eram provenientes dos estados da Região Norte (Amazonas, Pará e Acre). Não conheço ninguém nesses estados que tenha ressentimento em relação a São Paulo, cujo processo de industrialização também é tributário da distribuição dessa renda tributária vinda da região amazônica. Obrigado pela visita e pelo comentário!

  4. Allan, muito sensato seu post. Eu, paulista, estou envergonhado cada vez mais com meu Estado, que reage bovinamente ao domínio do psdb com seus infinitos pedágios, ensino péssimo, péssimas condições de trabalho para o funcionalismo em geral e outros mil absurdos. Não bastasse isto agora vemos meia dúzia de fedelhos (bonitos e bronzeados como eles dizem) querendo fazer campanha por SP para os paulistas…. não passo um dia sem arrumar uma discussão com algum desses. Mas, vamos lutando até chegar lá.

  5. Seu João é o Cara!
    O conheci na visita à Paulo Afonso em 2006. Dando suas aulas sobre a Chesf e usando orgulhoso uma estrela do PT no peito.

  6. Nossa, Patrick, muito oportuna e inteligente a sua análise. Essa comparação que fez entre UDN/PSDB é exatamente o que eu e o meu marido (ambos com idade em torno de 60 anos) fizemos durante as eleições, principalmente no segundo turno, quando os tucanos tiveram mais visibilidade e puderam se mostrar com mais “pureza”. Parabéns!

  7. Tenho vergonha pelo Espírito Santo. Na minha cidade, Colatina, Serra teve 65% dos votos. Ontem, a professora de Sociologia da escola em que dou aula (ensino médio) estava falando que a Dilma ganhou porque os nordestinos do Bolsa-miséria votaram nela, porque baiano não quer trabalhar, só quer dançar. Professora de Sociologia!! O argumento é absurdo vindo de qualquer pessoa, mas né… Professora de Sociologia! O que ela ensina para os alunos dela? Enfim… belo post, vou repassar para os amigos. Abraço.

  8. Ninguém em tempo algum prestou desserviço maior à nação brasileira que a campanha serrista e, principalmente, o candidato José Serra.
    Estou ainda muito aborrecido com a projeção dada a algo que não existe, quer seja, alguma onda de repulsa entre irmãos brasileiros.
    O que tenho notado é uma total falta de cultura geral entre gerações que se seguem e entre esses, é que estão aqueles de formação mais frágeis, facilmente passíveis de serem manobrados como racistas e fundamentalistas.
    Por grandeza e sorte, vimo uma gigante manifestação do Brasil contra a esses desatinos tanto nas urnas, pela internet e, esperemos, pela lei que precisa se impor.
    E que, pelo voto, vamos extirpar essa gente da política brasileira eleição a eleição.
    Abs.

  9. Allan,
    Muito bem abordado, foi dessa maneira que eles sempre enxergaram o Brasil, um Sudeste de investimento e as demais regiões para serem exploradas. Não tivemos debate politico nessa eleição, a oposição não permitiu, porque sabia que levaria uma goleada eleitoral, eles não conhecem o Brasil pós Lula, apostaram que bastaria bater no “Caso Erenice” e reclamar do Bolsa Familia e a eleição estaria ganha, mas estavam enganados, o Brasil pós Lula é uma nação de oportunidades para todos, acabou o tempo onde investimento no Nordeste era apenas “Fossas” e “Cacimbas”, hoje temos um crescimento econômico invejável, os investimentos são em infra-estrutura, as grandes indústrias já viram o potencial do nordeste e estão se instalando por aqui, não somos somente praias e um povo hospitaleiro, temos capacidade de explorar, produzir e exportar, Lula nos deu a oportunidade de formarmos e mantermos aqui nossos cientistas, engenheiros, técnicos e doutores. O vento que só ventava lá, agora também venta aqui.

  10. Importa é vocês crescerem e manterem o espírito de brasileiros democratas. O tempo do reconhecimento (ainda que venha tarde) com certeza chegará rápido para o Nordeste, suas belezas e seu povo. O nobre “parlamentar” citado (não vale a pena repetir seu nome) não fala pelos brasileiros. Aliás, este e outros do PSDB, ao falarem, soam tal vacas defecando; o cheiro não fica longe.

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